Quando um filme parece se comprometer
com a tentativa de desarranjo formalista, estético, talvez a forma de melhor o
posicionar esteja no exercício de incursão em suas próprias urgências. Escapar
a um modelo formalista consolidado, qualquer que seja, desarticular abordagens
repetidas, mensurar a recepção de certos olhares, é a trajetória motriz de
renovação na historiografia do cinema, afinal. Mas tudo que existe nesse
processo, inexiste em Animal Político.
A questão é que a urgência mais
latente de Animal Político parece ser
a de sequer se levar a sério. Assim, a disputa é ganha de saída. Recusando,
justamente, uma eloquência estética, causando cisões que não o elevam a
qualquer status, Animal Político recusa, obviamente, modelos, mas não se
preocupa em propor outros. A impressão que alguns rastros do filme deixam é a
de que pretendia ser uma coisa por princípio, tornou-se outra coisa por
circunstância. Porque há, sim, em certa substância do filme, ideias muito mais
complexas do que a decisão final de usar chroma key de baixo custo ou fantasias
de atacado, por exemplo.
Há boas sequencias (o encontro
da vaca com o robô) e chaves muito promissoras (o entrave de aceitação da vaca
animal continuar sendo a mesma vaca quando representada por uma fantasia). Mas
mesmo esses bons, e raros, momentos são tão diametralmente opostos a outros
vários, que o desacordo acaba sendo do filme com o próprio filme. Em dados
momentos é uma sátira das representações, em outro é uma historiografia de
gifs. Em dados momentos é uma anti-narrativa promissora, em outros é um vídeo
de jovens hipsters da MTV dos anos 90. No começo é um filme, no resto é zoeira.
Como levar a sério um filme que
parece não se levar a sério? Esse é o grande paradigma de animal político. Pois
é. Todos os elementos do filme são chaves de estranhamento que não se validam,
mais uma vez, como eloquência estética. O procedimento de recusa acaba sendo
então realizado na organização do filme como o mais estranho possível a qualquer
outro modelo existente, o que o leva, no fim, a lugar nenhum.
Animal político é, sim, feito para determinados festivais, mirando
ser incognita a um determinado tipo, muito específico, de público. Por efeito,
infelizmente, parece não ter força para além disso. Porque o enlace com seus
meios de propagação faz com que Animal Político parta, ao contrário do que
possa parecer, de um lugar estabelecido e seguro. O que nele poderia se
configurar risco assumido se transforma em estranhamento concedido.
O filme almeja ser, e é, um objeto
fílmico não identificado. Mas limitado única e exclusivamente a recusar sua
própria seriedade, transforma-se, no máximo, numa birra estética. Não há sequer
uma urgência do estranhamento, porque mesmo para isso seria necessária alguma
dialogia entre experiências, do filme e do olhar repousado no filme, o que não
existe.
Animal Político não choca, não
dialoga, não tem alcance. O filme é objeto
sólido observado sempre de fora. Estranho? Sim. E oco também.